Pâmela. Zachary cerrou os punhos. Uma criança cuja existência ele ignorara até algumas semanas atrás, quando a ex-mulher morrera. Parecia que ele era a única pessoa no mundo que podia cuidar da menina.
Mais uma vez, amaldiçoou Tânia por não ter lhe dito que carregava um filho ao deixá-lo. Só Deus sabia como precisara disso, quatro anos antes. Algo para fazê-lo suportar as inúmeras cirurgias, a difícil recuperação e a dura realidade de que nada poderia ser feito para recuperar o corpo desfigurado.
Afastando-se da porta, Zachary pegou o telefone e discou um número, mal contendo a raiva.
— Wife Incorporated. Katherine Davenport.
— Que droga, Kat, ela é linda! — De tirar o fôlego, acrescentou mentalmente, lembrando-se de cada curva do corpo perfeito, coberto pelo conjunto branco.
— Então saiu da sua toca por tempo suficiente para observá-la?
— Por que fez isso? Zachary ouviu-a suspirar.
— Vanessa é uma das pessoas mais bondosas que conheço. E não fiz isso por você, meu bem. Foi por Pâmela. Vanessa adora crianças, e já trabalhou com elas antes. Tem todas as qualificações que você queria. E culta, mas não a ponto de não conseguir se comunicar com uma criança. Além disso, é divertida e criativa. Dê-lhe uma chance.
— Não tenho escolha. Pâmela chega dentro de dois dias.
— Vai dar certo, Zachary.
— Encontre outra pessoa, imediatamente. Eu não a quero aqui.
Houve uma pausa do outro lado, e ao falar, a voz de Katherine soou fria e brusca.
— Tânia devia ter lhe contado sobre Pâmela, eu concordo, e se não tivesse jurado que não o faria, eu mesma teria dito. Mas quando ela disse que o deixara porque tinha se tornado frio e mesquinho, não pude acreditar. Agora, vejo que estava certa.
Zachary sentiu como se ela o tivesse esbofeteado.
— Tânia me abandonou porque não pôde suportar as conseqüências do acidente. Queria que eu fosse o mesmo de antes e que agisse como antes. Isso nunca vai acontecer. — Ele respirou fundo, antes de prosseguir — Encontre outra pessoa. — E sem despedir-se, desligou. Só ao largar o fone percebeu como o segurara com força.
Deixando-se cair na poltrona de couro, atrás da escrivaninha, virou-a para a janela. O sol lutava para sair de trás das nuvens, refletindo-se no riacho, enquanto Edward lutava para afastar as memórias dolorosas do acidente. A dor cortante, a reação de horror de Tânia quando tiraram as bandagens, a repugnância que não conseguira disfarçar. Sempre imaginara que ela estaria a seu lado, em qualquer situação, e ficara chocado ao vê-la partir. Devia ter imaginado que ela faria isso, quando se recusara a dividir a cama com ele, e até mesmo a tocá-lo depois do acidente. Ele podia ver a repulsa, cada vez que estendia a mão para ela. A noite anterior ao acidente tinha sido a última vez que sentira prazer e ternura com uma mulher.
E agora a mulher que fora eleita a mais bonita do Estado estava morando em sua casa. Não fazia diferença que isso tivesse ocorrido dez anos antes. Ela ainda era capaz de parar o trânsito com sua beleza.
A batida foi tão suave que ele mal ouviu.
— Sr. Efron.
O som daquela voz doce e delicada tocou-o profundamente. E ele quase a odiou por isso.
— Eu já disse que a chamaria se...
— Pelo que me lembro, fui contratada para tomar conta da sua filha, não do senhor. Portanto, pode chamar o quanto quiser, meu senhor, e...
— Pago o seu salário.
— Sua mãe não lhe ensinou que é falta de educação interromper uma senhora?
— E você não aprendeu diplomacia, ao trabalhar no Departamento de Estado?
— Sim. Mas este não é um território estrangeiro, nem você pode pedir imunidade diplomática.
Lutando contra a vontade de sorrir, Zachary apoiou a cabeça na poltrona de couro.
— O que você quer?
— Ah, chegamos ao estágio das negociações — zombou Vanessa — Agora, a menos que a montanha de alimentos na geladeira e no freezer seja a sua noção de uma dieta balanceada, preciso planejar o cardápio.
— Muito bem. Pode pedir o que quiser.
Vanessa suspirou. Que homem difícil. Ela sacudiu a bandeja, fazendo a linda porcelana tilintar.
— Ouviu? São pratos. Com comida — completou.
— Deixe na porta. Ela piscou.
— O quê?
— Tenho certeza de que ouviu, srta. Hudgens. A porta não é tão grossa.
— Que teimoso — resmungou Vanessa.
— Deixe no chão e vá embora.
Vanessa colocou a bandeja junto à porta, e ao olhar para a madeira decidiu que o faria sair dali, de qualquer modo.
— Pelo jeito, vamos ter muitos problemas, sr. Efron.
— Só se quebrar as regras.
— E quais são?
— Receberá ordens através de e-mails em seu computador.
— Meu Deus, que impessoal!
— É o único modo possível — disse ele, baixinho, ouvindo os passos dela afastando-se na escada.
Zachary esfregou a testa, a ponta dos dedos tocando as cicatrizes, e praguejou, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro. Cerrando os dentes, imaginou como iria sobreviver com aquela mulher linda andando pela casa.
Fim do capítulo I.