— Está me observando.
— Como sabe?
— Posso sentir.
Será que sabia que ele também podia senti-la?
— E o que sente?
Vanessa parou. As palavras, murmuradas num tom suave, convidavam à intimidade, trazendo um desejo inesperado. O coração dela disparou.
— É como uma invasão. — Ela arrumou os legumes numa travessa, cobrindo-os com água. — E não gosto disso — completou, colocando-os na geladeira.
— É uma mulher muito linda, Vanessa. Que homem não a olharia? Você sabe disso.
— Sim, sei como as pessoas valorizam a aparência — murmurou, desligando o forno.
— Eu também — declarou Edward, num tom amargo.
— Então temos algo em comum. — Ela tirou a última assadeira do forno, colocando-a sobre o fogão, antes de virar-se.
Ele tinha desaparecido. Como se um vento frio a atingisse, soube que não estava mais ali.
— Também não gosto disso, sr. Efron — gritou, para a casa vazia.
Não houve resposta, e nem ela esperava isso.
Zachary desceu pela escada de serviço trazendo os pratos do jantar. Depois de colocá-los na lavadora, pegou um biscoito na assadeira sobre o fogão. Mastigando, atravessou a sala de jantar e chegou à biblioteca, estranhando o ar frio que penetrava na casa.
Ao entrar na sala de estar, parou de repente. Cada fibra do corpo dele reagiu ao vê-la.Vanessa estava na varanda, atrás da sala, e as portas francesas estavam completamente abertas. As mãos dela apoiavam-se na grade, e o roupão leve, verde-claro, flutuava ao sabor da brisa da noite sem lua. A frente dela, o mar batia no cais, iluminado apenas pelas luzes suaves que cercavam a casa.
Zachary poderia jurar que estava vendo um anjo. O vento erguia os cabelos acobreados, fazendo-os flutuar.
— Não é fantástico? — perguntou ela.
Ele enrijeceu, sentindo-se encurralado na própria casa.
— Não é? — insistiu, virando-se levemente na direção dele. Zachary sabia que não podia vê-lo claramente, com a luz
trás dela.
— Gosta deste tempo?
Vanessa voltou a olhar o mar. Ao longe se viam relâmpagos.
— É meu favorito. Tempestades, trovões, chuva... Zachary percebeu que ela lhe dera as costas de propósito,
dando-lhe a chance de se aproximar. O gesto o comoveu, mas ao mesmo tempo deixou-o inquieto. Será que ela viraria de repente e começaria a gritar? Ainda assim, reconheceu que não podia resistir ao desejo de se aproximar mais um pouco. Saindo para a varanda, encostou-se nas cortinas que voavam pelas portas abertas e que podiam lhe dar alguma proteção.
— Obrigado pelo jantar.
Ela deixara a bandeja do lado de fora da porta do quarto dele, numa mesinha que carregara para cima.
— Por nada. Não precisa comer lá em cima, sozinho, sr. Efron.
— O que pretende? Que jantemos como duas pessoas civilizadas?
— Por que não?
— Acho que já sabe a resposta.
— E o que devo dizer a Pâmela? Sinto muito por ter perdido sua mãe, e olhe, na verdade não tem um pai. Apenas um benfeitor.
— Diga a ela o que achar melhor.
— Sei que se importa, sr. Efron. Vi o quarto dela.
— Só porque não quero vê-la, não significa que não quero que fique confortável aqui. Não percebe? Ela é uma criança. Um simples olhar para o que sobrou do meu rosto, e terá pesadelos por uma semana.
— Ele sacudiu a cabeça. — Acho que devo poupar a nós dois dessa situação.
Vanessa chegou mais perto, e viu que ele cruzava os braços à frente do peito, numa atitude defensiva. O gesto era claro. Não poderia alcançá-lo. Não agora.
— Acha mesmo que uma criança vai se satisfazer com isso?
— Terá que ser assim.
— Mas sou uma estranha.
— Eu também.
Vanessa suspirou, frustrada, cerrando os punhos.
— É um homem muito difícil.
Houve um instante de silêncio, antes de ele responder:
— Só quero protegê-la.
— Impedi-la de conhecê-lo não é proteção.
— Por acaso é uma autoridade em crianças? — A voz dele revelava descrença.
— Tenho alguma experiência.
— É mesmo?
Pouco importava o tom crítico na voz dele, pensou Vanessa.
— Não gosta que outras pessoas vejam o que lhe aconteceu, e então se esconde. Só vê aquilo que quer. Não tive filhos, mas gostaria de ter. Fui professora na escola da embaixada por vários anos, e cursei psicologia infantil na universidade. Além disso, sou a mais velha de cinco irmãos. Não acha suficiente?
Com raiva, afastou-se da grade e já ia entrar, quando Zachary segurou-a pelo braço. Os dois foram envolvidos pelas dobras das cortinas que flutuavam ao vento.
— Sim. É suficiente.
Vanessa mal conseguia respirar, e seu coração batia acelerado. Ele era um homem grande, forte, e os dedos circundavam-lhe o braço, impedindo-a de mover-se. Estava consciente da proximidade dele, do perfume masculino, do corpo que quase tocava o dela, fazendo-a estremecer.
Ele era misterioso, intenso.
O que a atraía não era a solidão dele, nem a amargura. Era o homem que sofrera muito, mas sobrevivera. Que não deixara ninguém se aproximar. Vanessa viu a sombra da cabeça dele aproximar-se e soube que desejava beijá-la. E quase desejou que o fizesse.
— Você tem perfume de... liberdade — sussurrou ele, cada célula do corpo gritando que era um homem, e que ela era uma linda mulher.
Mesmo sabendo que devia fazer anos que ele não estava com uma mulher, que devia afastar-se depressa, Vanessa foi incapaz de resistir ao desejo de tocá-lo. Erguendo a mão, colocou-a no peito forte.
A respiração dele ficou ofegante, e num gesto brusco afastou-se, subitamente consciente do que acontecia.
— Não quero sua piedade, e isto é errado.
Ele afastou-a e Vanessa perdeu o equilíbrio, enquanto Zachary entrava depressa, desaparecendo na casa, de volta à sua caverna escura.
Queria dizer-lhe que a última coisa que sentira em seus braços era piedade. Mas ele já se fora.
Fim do capítulo II.