Era um tolo. O abandono da mulher não lhe ensinara nada, ou não teria tocado Vanessa. Sentado na escrivaninha, o sol nascendo atrás dele, Zachary bateu nas teclas, fazendo uma porção de erros, até desistir, empurrando o teclado. Recostando-se na cadeira de couro, fechou os olhos, e quase pôde sentir a maciez daquele corpo que tanto desejava tocar.
E que homem não desejaria fazê-lo, pensou. O corpo de Vanessa era curvilíneo, e ela tinha um jeito de andar que quase o enlouquecia.
Ele sacudiu a cabeça. Seria mais difícil do que tinha pensado, e sabia que a lembrança de tocá-la seria tão torturante quanto a própria ação.
Era a babá, lembrou a si mesmo. Fora contratada para ajudá-lo.
Levantando-se, foi até a janela. Que Deus me ajude, pensou. Vanessa era o sonho de qualquer homem. E estaria ali por muito tempo, provocando-o.
Atrás dele, o e-mail soava, o fax gemia, e Zachary ignorava tudo, os olhos presos à faixa de areia lá embaixo. Havia pegadas no solo úmido, e imediatamente soube que eram de Vanessa. Será que levaria Pâmela para longos passeios, à procura de conchas? Será que Pâmela gostaria dali? E do quarto, dos brinquedos? Ou ficaria assustada, com medo? As perguntas surgiam-lhe na mente, e teve que admitir que não sabia nada sobre a filha de quatro anos. Mas Pâmela era tudo que tinha no mundo, e faria o possível para que nada lhe faltasse.
Exceto você mesmo, disse uma voz interior, e a culpa dominou-o.
E se nada daquilo fosse suficiente, e traumatizasse a menina? Era tão pequena, inocente. No momento, não tinha dúvidas de que Vanessa cuidaria de tudo. Era encantadora, mesmo com aquela língua afiada, e suspeitava que Pâmela acabaria se divertindo, depois de ter passado de um amigo para outro, após o acidente. Tanto ele quanto Tânia não tinham família. Soubera da morte da mulher por um policial, e cinco dias depois um advogado, executor do testamento de Tânia, o informara da existência da filha. Com a permissão dele, Katherine Davenport tirara Pâmela do abrigo do Serviço Social, e tomara providências para arranjar uma babá, e trazer a menina para a ilha. Era tudo tão frio, formal. Tânia escondera a criança até a tragédia acontecer. Mas ele tivera tempo suficiente para pensar na mulher que havia conhecido num baile de caridade, e com quem se casara, sete anos atrás.
Tânia tinha sido linda, como uma boneca de porcelana, embora durante o casamento tivesse ficado cada vez mais egoísta e exigente, gostando muito mais do estilo de vida que tinham do que dele. Agora percebia que ela gostava das empregadas e cozinheiros, e que quanto mais lhe dava, mais queria. Até que ele desejara ter filhos, parar de viajar o tempo todo. Ela havia discutido e reclamado, até Zachary ceder. Devia ter engravidado naquela noite selvagem, na praia, na véspera do acidente. Apesar disso, quando o acidente o privara da beleza que a atraíra, Tânia o abandonara. Não a culpava por tê-lo feito. Era frágil, imatura, e ele por certo não fora mais o mesmo homem. Nem por fora, nem por dentro. Tentava imaginar o que Tânia dissera a Pâmela sobre ele, mas logo desistiu.
Não fazia diferença. Suspirando, voltou a trabalhar no computador, até que uma voz suave soou no interfone:
— Muito trabalho sem comer, deixa o sr. Efron de mau humor.
Zachary sacudiu a cabeça, com um meio sorriso. Apertando o botão do interfone, perguntou:
— Preparou alguma coisa? — O estômago dele roncou, diante da perspectiva de uma refeição.
— Sim. E Billy não vai conseguir comer tudo. — Houve uma pausa, mas logo ela continuou: — Nunca fui capaz de cozinhar para menos de seis pessoas. Ainda bem que gosto de sobras, não é?
Zachary imaginou se alguma vez ela ficava de mau humor, e sentiu-se grato por não mencionar a noite anterior. Não queria a piedade dela. Já aprendera o suficiente a esse respeito com a ex-mulher. Não podia esquecer o modo como ela se encolhia, cada vez que tentava tocá-la. Sacudindo a cabeça, pensou em como fora tolo na noite anterior. Mas parte dele queria saber se Vanessa sentira o mesmo calor que o invadira. Nem Tânia conseguira provocar uma reação como aquela, e ele a amara.
— Estou com fome.
Vanessa tentou não gostar tanto da voz dele, nem lembrar-se de como parecera sedutor na tênue luz da varanda. Mais uma vez se perguntava como podia sentir tanta atração por um homem que nunca vira, embora soubesse que a aparência, o dinheiro ou o charme, pouco tinham a ver com o que o corpo dizia. E o corpo de Zchary Efron dizia muita coisa. Vanessa só esperava que o seu não entendesse...
— Vou levar aí em cima — disse, por fim. Ele detestava estar isolado ali.
— Obrigado — agradeceu.
Um momento de silêncio, e então ela disse:
— Recebi seu e-mail com as regras.
— E estou certo de que quer fazer algum comentário — retrucou ele, e quase podia ver como ela cerrava os lábios, furiosa.
—Alguma delas é negociável?
— Por exemplo?
— Esta sobre não ir ao terceiro andar. Como a empregada vai fazer a limpeza?
— Ela conhece as regras. Avisa antes de subir, e eu simplesmente vou para outra parte da casa.
— Entendo. — Zachary ouviu-a suspirar. — Essa comunicação pelo interfone é tão impessoal.
— É assim que tem que ser, Vanessa.
Lá embaixo, na cozinha, ela encostou a testa na parede. Cabeça dura.
— Nada é imutável, sabia?
— Não. — Ele parou por alguns instantes. — O que você quer, Vanessa?
A irritação dele atingiu-a, provocando uma reação imediata. O que queria? Apenas uma vida normal. Antes que Pâmela chegasse. Mas sabia que Zcahary continuaria resistindo.
— Nada — respondeu, suavemente. — Acabarei dando um jeito de contornar as regras. Especialmente esta, de não andar pela casa a noite. Gosto de tomar chocolate quente, olhando as estrelas.
— Então deve estar se sentindo em casa aqui.
— É verdade.
Zachary queria que ela se sentisse à vontade, especialmente com Pâmela chegando na manhã seguinte. Estava desesperado para que ficasse, especialmente depois que Katherine Davenport ligara naquela manhã, dizendo que não encontrara uma substituta qualificada.Zachary achou que estava zangada com ele, e não estava fazendo muito esforço.
Alguns minutos mais tarde, ouviu uma batida na porta. Edward aproximou-se, espiando pelo visor. Ela era mesmo persistente.
— Deixe aí mesmo.
Ela mostrou a língua para a porta.
— Encantadora, srta. Hudgens — disse, secamente. Vanessa sorriu, sem jeito, e colocou a bandeja de lado.
— Sobre a noite passada...
Zachary gemeu, baixinho, e apertou o botão do interfone, junto à porta.
— Foi errado tocá-la.
— Por quê? Ele piscou, surpreso.
— É a babá da minha filha.
— Muito conveniente, não é?
— O quê?
Ela recuou um passo, diante do tom da voz dele.
— Bem, estou aqui, sou mulher e...
— É linda demais.
Os lábios dela apertaram-se, revelando toda a amargura que sentia. Quase desejou ter cicatrizes, como Efron. Pelo menos saberia que os homens não a desejavam só pela beleza.
— Não é o que quis dizer.
— Está imaginando há quanto tempo não tenho uma mulher? A voz rouca fez os joelhos dela fraquejarem.
— É claro que não!
— Mentirosa.
Ela cruzou os braços, olhando para a porta
— Ofender o outro é uma atitude infantil.
— Desculpe-me.
— Esqueça.
— Está bem.
Mas Vanessa duvidava. Especialmente depois que a evitara cuidadosamente, e depois a agarrara como se fosse a tábua de salvação de um náufrago. Ainda assim, não podia ignorar a eletricidade que os envolvera, o calor que percorrera seu corpo. E a vontade que sentira de tocá-lo, de provar a força daquele corpo alto e rijo. Ele a fizera sentir-se pequena, indefesa, e naqueles poucos segundos, protegida.
Não era algo que pudesse esquecer facilmente.
— Se quiser mais, é só pedir — disse ela, afastando-se e descendo a escada.
Zachary pegou a bandeja, e admirou a enorme variedade de comidas: ovos, panquecas, salsichas, bacon, café, torradas, geléia e biscoitos. Teria que correr mais alguns quilômetros para queimar tudo aquilo, pensou, saboreando as delícias. E tentando não pensar na mulher que as preparara.
Durante o resto do dia o contato entre eles foi mínimo. E Zachary esperou, impaciente, que a noite chegasse. As sombras o protegiam e lhe davam liberdade. Sentia-se como um vampiro, condenado à escuridão. A noite era sua amiga, embora amasse o dia, o sol.
Agora olhava para a mulher que dormia no sofá, com um livro aberto sobre o peito. Ele inclinou a cabeça para ler o título. Crianças e Pesar. Mais uma vez, pensou em como Pâmela iria se apoiar nela, enquanto ele desejava confortá-la. Como queria abraçar a filha, acariciá-la, saber tudo sobre ela, vê-la crescer e aprender. Mais uma vez amaldiçoou Tânia por não ter lhe permitido compartilhar a vida de Renesmee. Então percebeu, com enorme pesar, que estava confiando em Vanessa, para amar a filha no lugar dele.
...
Vanessa viu a balsa chegar e a grade de segurança ser levantada. As pessoas começavam a sair do barco, e ela procurou a garotinha na multidão, com a acompanhante que a traria até ali. O que viu foi à criança mais linda que jamais vira, de cabelos escuros, rosto angelical, agarrada à mão de Katherine Davenport.
Olhando para a ex-colega de faculdade, Vanessa sorriu.
— Fico feliz que você a tenha trazido. Katherine olhou para a garotinha e sorriu.
— Achei que alguém familiar seria melhor do que um estranho.
Vanessa podia ver as perguntas nos olhos de Katherine, desejando saber como iam as coisas com Zachary Efron. Sem querer lhe dar qualquer indicação do que acontecera na noite anterior, ficou grata ao ver que um homem se aproximava e pegava as malas de Pâmela. Vanessa acompanhou-o até o carro que Zachary lhe permitia usar, e ele colocou as malas no banco de trás. Depois de pagá-lo, voltou para o par que a aguardava. Vanessa ajoelhou-se e sorriu para Pâmela. A garotinha enterrou o rosto na saia de Katherine.
Será que eu tenho que implorar comentários?
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